Devo um agradecimento especial ao parente Gilberto Ceratti, conhecido de todos da família Goelzer, pelas contribuições para esta parte do texto. Toda a família Goelzer aprecia o esfôrço contínuo de Gilberto no desenvolvimento da nossa genealogia.
O livro de Peter Schössler - "Familienbuch Lötzbeuren (Hunsrück) 1650-1850" mostra no item 188 o seguinte (abaixo à direita):
O Brasil estava procurando colonos para uma região do Rio Grande do Sul com características geográficas comparáveis às de Hunsrück (Renânia-Palatinado, no sudoeste da Alemanha). O governo da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul contratou Peter Kleudgen para trazer 2000 alemães para a colônia de Santa Cruz. Muitos que queriam vir não tinham condições para pagar as passagens. O governo oferecia lotes de terra, ferramentas, sementes e dinheiro que deveriam começar a ser reembolsados após cinco anos. A situação econômica não estava muito boa na Alemanha e muitos estavam migrando, principalmente para os Estados Unidos.
Na segunda metade de 1852 Peter Kleudgen organizou três viagens da Alemanha para o porto de Rio Grande. Os dois irmãos gêmeos, Johann Jacob Gölzer e Johann Peter Gölzer, vieram para o Brasil com suas famílias em duas destas viagens, pois, com a devida precaução, decidiram viajar em navios diferentes.
Johann Peter partiu primeiro, com a esposa Maria Elisabetha Brach e quatro filhos de 3 a 14 anos, no dia 24/06/1852. Clicar aqui se quiser informações sobre a viagem de Johann Peter e sobre sua família.
O livro de Peter Schössler mostra no item 193 a relação de filhos de Jacob pai e Susanna Katharina Tatsch:
Os tataravós Johann Jacob Gölzer e Maria Elisabetha Brach tiveram 11 filhos, 3 faleceram ainda pequenos (números 1, 8 e 9 acima). Dos 8 sobreviventes, a número 2 Susanna Katharina e a número 4 Anna Maria, que já eram adultas em 1852, permaneceram na Alemanha. O bisavô Jacob é o número 3 (usamos só Jacob para distinguir de Johann Jacob que também é o nome do pai) .
Em 10 de setembro de 1852, partiu de Hambourg o navio "Hermine" que, entre outros, trouxe Johann Jacob Gölzer, sua esposa e seis filhos. Quem organizou a viagem foi Peter Kleudgen. Em poder de um membro da família Goelzer foi encontrada a seguinte carta do próprio Kleudgen na qual ele dizia:
"Hamburgo, 5 de agosto de 1852.
Somente hoje chegou-me às mãos a sua carta de 30 de julho.
Dou assim em meu poder os 190 escudos (Rheinische Thaler) como fiança para 19 pessoas.
As passagens seguem inclusas para: 1.° Jacob Goelzer, com 6 pessoas adultas e 3 crianças; 2.° Jacob Brust com 4 adultos e 1 criança; 3.° Elisabeth Faller, com 2 adultos e 1 criança; 4.° Anna Hoffmann e 1 adulto; 5.° Nicolaus Just, com 1 adulto; 6.° Michael Haar, com 1 adulto; 7.° Philip Ihmig e 1 adulto. Total: 15 adultos e 4 menores. Se tivesse conseguido desembaraçar-se 8 dias antes, a estas horas já estaria com o navio "Mariana" em alto mar. Retive a viagem do navio até 28 de julho; maior delonga não foi possível. Antes, pois, de 27 ou 28 de agosto não conseguirá outra expedição, por mais que lhe deseje ser agradável, pois sei de própria experiência que, quando as malas estão prontas, existe o desejo impaciente de seguir o quanto antes, etc. Aconselhando ainda não carregar peso demais, entre outras considerações sem importância para o caso presente, termo assinando
— Peter Kleudgen".
Navio: HERMINE (Oldenburg)
Capitão: Cornelius
Data do embarque: 10 de setembro de 1852
Data da Chegada: 12 de dezembro de 1852 (estimativa pois dias depois, em 19 de dezembro, chegam a Porto Alegre); viagem de 3 meses !
Para ver lista de passageiros clicar aqui.
O navio Louise und Emilie, da viagem seguinte de Hamburgo a Rio Grande, organizada pelo mesmo Peter Kleudgen, e que partiu dois meses depois, naufragou no Canal da Mancha em 27/11/1852, perecendo 37 dos 72 passageiros (55 adultos e 17 crianças); os sobreviventes seguiram para o Brasil a bordo do barco Bremen SAUSER.
Esse naufrágio mostra que foi acertada a decisão dos gêmeos Johann Peter e Johann Jacob de viajarem em navios diferentes.
O barco HERMINE, uma escuna do tipo "galliot" (barcos com proa e popa arredondados, com fundos relativamente planos, dois mastros com um principal) foi construído em Elsfleth em 1851. Era um barco novo quando da travessia até o porto de Rio Grande. Em fevereiro de 1856, Cornelius (comandante da travessia que trouxe Jacob e sua família) vendeu o barco que foi rebatizado com o nome JULIUS. Dimensões: 24,3m x 5,6m x 3m (comprimento x largura x calado). Difícil imaginar 53 passageiros mais a tripulação viajando tanto tempo num barco tão pequeno.
O jornal "Der Kolonist" (jornal em alemão que durou pouco tempo em Porto Alegre) descreve a chegada em Porto Alegre dos colonos que fizeram a travessia no navio Hermine até o porto de Rio Grande.
"Na noite de 19 de dezembro, aqui ancorou o vapor "Comércio", vindo da cidade do Rio Grande, trazendo 52 colonos chegados há poucos dias naquela cidade. Encaminhados por Peter Kleudgen, zarparam de Hamburgo em setembro com o navio "Hermine", comandado pelo Capitão Cornelius. A viagem decorreu acidentada, com vendavais e tempestades, atrasando grandemente o curso do navio. Entretanto, todos os passageiros encontravam-se bem dispostos e com boa saúde, para o que contribuiu a excelente cozinha e o tratamento em geral.
Os recém chegados procedem em sua maioria de Renânia e do Mosela, tendo seguido já pelo vapor a Rio Pardo, com baldeação para a Colônia de Santa Cruz. Acreditamos que tenham sido tomadas as medidas para que, de acordo com as condições vigentes, possam receber os lotes coloniais a eles destinados, sem maiores delongas. Que não se repita o caso da última leva, da qual alguns se viram forçados a pernoitar na mata virgem e ali mesmo armar barracas e agasalhos, por falta de medição ou qualquer providência para o alojamento, contrariamente ao que havíamos lido no relatório do diretor da colônia, sr. Buff, relatório esse feito ao governo provincial, no qual se afirmava o contrário (picadas abertas, colônias loteadas e demarcadas, etc.) Não compreendemos como possam ter surgido tais disparates. Agora, com a presença do engenheiro civil, o sr. Normann, cremos que tudo seja resolvido."
Existe uma ampla literatura cobrindo a imigração de europeus para o Brasil no Século XIX. Um resumo interessante é apresentado no artigo http://mluther.org.br/imigracao/imigracao_ii.htm de Egídio Weissheimer.
Outro trabalho interessante e muito detalhado é do francês Jean Roche: La colonisation allemande et le Rio grande do Sul - Éditions de l’IHEAL (openedition.org) O acesso ao livro é aberto.
O artigo de Weissheimer descreve as condições difíceis durante as viagens de emigração e ilustra o que ocorreu com a imigração suíça:
“Os suíços que haviam chegado ao Brasil em 1819, oriundos de Freiburg e que aqui se instalaram em Nova Friburgo, tiveram uma viagem desastrosa. Por falta de organização aguardaram por 2 meses o embarque no porto da Holanda. Mal instalados ali mesmo enterraram 43 emigrantes. Os 2.018 montanheses arrebanhados por campos e aldeias atravessaram o Atlântico espremidos em 7 barcos. Um dos barcos, o Urânia, em que embarcaram 437 passageiros, devido a uma epidemia, marcou sua rota marítima com um rastro de 107 corpos. Mais de 1 cadáver por dia. Um quarto dos passageiros foram lançados do tombadilho. No Rio de Janeiro houve outra mortandade em decorrência de febres tropicais. Ao todo, de uma Friburgo à outra, a velha na Suíça e a nova no Rio, somaram-se 389 baixas. Dos 2.018 colonos que saíram chegaram apenas 1.631, índice de mortandade parecido com o dos navios negreiros!”
Um artigo em português descreve com muito detalhe a epopéia dramática desta emigração: "4 de julho de 1819, adeus pátria" https://www.swissinfo.ch/por/4-de-julho-de-1819--adeus-p%C3%A1tria/875204
Partida precedida de Missa solene, rufar de tambores, 6 mil espectadores, o bispo abençoando essa cruzada de camponeses que compara aos heróis do êxodo, o coro dos emigrantes cantando o " magnificat ", os tiros de fuzis, o ribombar dos canhões e depois uma grande tragédia.
Voltando a falar dos Jacobs, os seis filhos que acompanharam Johann Jacob e sua esposa Susanna Katharina Tatsch são:
Bisavô Jacob Göelzer nasceu em 25/12/1831 em Lötzbeuren. Ele é o filho de 20 anos mencionado na lista de passageiros do Hermine.
Peter Gölzer (Pedro) nasceu em 06/01/1836 e faleceu em 12/02/1916; casou com Ana Elisa Brust
Christian Gölzer nasceu em 17/12/1838 e faleceu em 08/04/1927 com 88 anos; casou com Wilhelmina Christmann
Wilhelm Gölzer nasceu em 08/02/1841, faleceu em 04/12/1911 em Livramento, RS
Karl Gölzer nasceu em 12/01/1847 e faleceu em 11/01/1916
Susanna Elisabetha Gölzer nasceu em 31/03/1849 (é a filha de 3 anos mencionada na lista)
Johann Jacob, que chegou em Porto Alegre em 19/12/1852 com a família, recebeu a Colônia Número 24 na Linha Rio Pardinho. Mais tarde ele comprou mais duas colônias na linha Travessa (de números 14 e 15) de Peter Kleudgen. No total as terras de Jacob pai totalizavam em torno de 150 hectares.
O hamburguês Pedro Kleudgen propondo-se a promover na Europa a imigração colonizadora para Santa Cruz, recebeu do Governo Provincial uma área de terras, com 750 braças (1650 metros) com frente para a picada, depois Linha Santa Cruz, por 3.000 braças (6.600 metros) de fundos, indo estes até a margem direita do Rio Pardinho (total de 1089 hectares).
Foi isso pelo ano de 1851, em que o Governo Provincial tomava diversas medidas no empenho de promover a imigração europeia e melhorar o serviço da colonização. Assim foi que entre estas medidas a Assembleia votou a lei n.° 229 de 4 de dezembro de 1851 (nos anexos está incluido o texto da lei).
A lei diz que cada família receberá uma área de 100.000 braças quadradas (em torno de 44 hectares). A lei tambem define quanto os agentes recrutadores receberiam por cada adulto de 7 a 35 anos.
Provavelmente autorizado pelo Governo da Província em virtude dessa lei, o mesmo Kleudgen publicou em Hamburgo (1851) um folheto contendo ligeiras informações sòbre a colónia recém fundada. O folheto incluia a seguinte informação (tradução do amigo Arno Blass):
"O solo recuperado da floresta primitiva é incomparável em Santa Cruz; sua produtividade infinitamente sustentável garante que o colono possa viver bem e com segurança. Da margem do rio, as colônias se estendem em terraços até as montanhas e consistem em solo de farelo preto e amarelo, o mais belo solo argiloso escuro e claro e, finalmente, no solo pedregoso preto a areia só pode ser encontrada diretamente na margem do rio. Nas colinas e montanhas as lavouras são mais belas, e como lá é significativamente mais quente do que nos vales, elas se prestam melhor para o cultivo da cana de açúcar. Os produtos locais: milho, feijão preto, batata, etc., crescem de forma quase que inacreditável. O cultivo do tabaco está se tornando cada vez mais vantajoso..."
Em geral esses colonos se mostravam satisfeitos com a nova existência, certamente trabalhosa, que passavam nestas paragens então quase desertas, mas confiantes todos num futuro melhor. Essa confiança não os iludiu, embora a princípio lutassem eles com muitas dificuldades, até para se protegerem das intempéries e dos animais bravios que infestavam livremente toda a Serra Geral.
Como tudo era mato, de chegada ao seu lote da colônia, o seu primeiro cuidado consistia em improvisar uma choupana ou rancho para abrigo da família.
A ZeroHora publicou uma reportagem "Um passeio pela imigração na Rota Germânica Rio Pardinho". Eu recomendo esta reportagem pois é muito interessante com muitos detalhes. Tem fotos de muitas casas no estilo germânico e de pratos típicos como o Eisbein (joelho de porco).
Exemplo de casas retratadas na reportagem:
Tataravô Johann Jacob faleceu no dia 07/11/1865. Inspecionava, a cavalo, a lavoura da colônia 24. Num declive o cavalo caiu e, ao cair, o cavalo esperneou e acertou um coice na cabeça de Jacob. Foi sepultado no mesmo local do acidente, dando origem ao cemitério dos Goelzer no alto da colina desta colônia.
Agradecimento a Edmund Goelzer, Evilasio Goelzer, Jorge Goelzer e Gilberto Ceratti por história, tradução e foto.